terça-feira, 27 de janeiro de 2015

E se água deixar de ser mercadoria?

E se a água deixar de ser mercadoria?

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Como Paris, Berlim, e dezenas de cidades estão remunicipalizando o abastecimento. Por que as metrópoles brasileiras, em crise devido à privatização, deveriam fazer o mesmo
Por Myriam Bahia Lopes
Em um momento no qual a vida na maior capital brasileira encontra-se ameaçada em razão da falta d´água, seria oportuno entender prática adotada em 86 cidades no mundo. Elas abandonaram o modelo de empresa privada de abastecimento de água, no qual a meta é o lucro e seu cálculo depende da cotação de ações na bolsa de valores. Tomara a decisão depois de avaliarem os limites desse modelo e os prejuízos ecológicos e sociais e econômicos dele decorrentes. Em dezembro de 2013, consolidou-se um grande agrupamento europeu de cidadania pelo direito humano de acesso à água e pela interrupção e reversão da privatização desse bem. Nessa direção observamos um movimento de remunicipalização e de retomada e criação de parcerias público-público para o abastecimento d´água nas cidades.
Breve história
Os sistemas de distribuição de água e de esgotamento foram aperfeiçoados, ao longo do século XIX, como uma resposta à eclosão de epidemias nas cidades industriais. Essas cidades, que haviam se adensado rapidamente, em apenas algumas décadas, concentraram milhares de habitantes em precárias condições de moradia e de trabalho. Nesse quadro, os sanitaristas e reformadores sociais dos oitocentos preconizaram que, sem um meio saudável, com circulação de água, luz e ar e uma alimentação regrada, a vida e a moral dos habitantes da cidade se esvairia. E mostraram como as epidemias não se detinham nas fronteiras dos bairros pobres: percorriam cidades, viajavam por oceanos e se distribuíam entre países. Para eles, seria impossível formar o cidadão sem um meio saudável, pois era o meio que constituía o indivíduo. O bom governo seria aquele que conseguisse reduzir a mortalidade e aumentar a população. A biopolítica impulsionou as reformas urbanas ocorridas nas principais capitais europeias e também no continente sul-americano, como as reformas ocorridas no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, no início do século XX.
Se cada cultura cria uma forma específica e diferenciada de lidar com as excreções do corpo, de fixar o que é sujo e o que é limpo, o reconhecimento de que a água é fonte da vida é um consenso universal. O direito ao acesso à água é um direito fundamental.
A partir da década de 1960, o continente sul-americano foi tomado pela intervenção de governos militares. Com o aporte e a ingerência do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, um amplo processo de privatização de serviços de abastecimento de água teve lugar no continente. O Chile tornou-se o exemplo mundial máximo, visto que a totalidade dos recursos hídricos desse país foi privatizada durante o governo do General Pinochet. A partir de 1990 e em resposta às pressões do capital financeiro, houve novo impulso e privatização desses serviços em outros países. Em 2000, a Comissão Mundial de Barragens avaliou que a sua construção desalojou entre quarenta e oitenta milhões de pessoas no planeta.
Os Movimentos sociais e a água
A apropriação privada da água e da terra e a cartelização mundial do hidronegócio vêm sendo denunciadas em diversas frentes. Como a água é indispensável à vida e possui um ciclo que deve ser protegido, encontramos uma variedade de grupos que direta ou indiretamente se engaja em sua defesa. No plano internacional, para citar apenas três exemplos, há profissionais que se associam à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como consultores para investimentos em agricultura responsável, a organização internacional Fórum Mundial de Pescadores e Trabalhadores da Pesca (FMPTP), grupos que se batem contra o fracking – a forma mais predatória de extração de petróleo.
No Brasil, indicamos os grupos que lutam em defesa da demarcação das terras indígenas, grupos que se engajam na promoção da agricultura familiar e orgânica, da reforma agrária, cujo maior exemplo é o Movimento dos Sem Terra (MST), aqueles que lutam em defesa dos atingidos por grandes barragens (MAB), como Belo Monte e grupos que lutam em defesa dos atingidos por minerodutos, como o da Anglo-American, recém-inaugurado em dezembro de 2014.
Em campos opostos, enfrentam-se de um lado, grupos que exploram o recurso hídrico e promovem a perpetuação da temporalidade cíclica da água e de outro, multinacionais e empresas produtoras de commodities, que operam na temporalidade linear da técnica, realizam gigantescas e irreversíveis intervenções no território, tais como a construção de grandes usinas hidrelétricas, as explorações minerárias, os minerodutos. Além da resistência local, esses conflitos produzem uma batalha judicial no Brasil e na esfera internacional que coloca o país, em alguns casos, na posição de ser conivente com o desrespeito de direitos humanos fundamentais, a despeito do país ser signatário dos tratados internacionais.
Remunicipalizar?
Transferir os serviços de água das companhias privadas – que também podem possuir capital misto – para as autoridades municipais. A favor dessa reversão encontramos o exemplo de várias capitais, entre as quais, Paris, Berlim, Buenos Aires e de países como Malásia e Tanzânia. Essa transformação ou reversão foi possível a partir da tomada de consciência, por parte dos habitantes,das nefastas consequências do processo que transforma a água de recurso natural em commodity.
Nos últimos quinze anos, pelo menos 86 cidades no mundo remunicipalizaram os serviços de água. Paris, capital e sede de duas poderosas empresas do hidronegócio, a Veolia e a Suez, remunipalizou em 2010; Berlim, em 2013. A PUPS, ou seja, parceria público-público, público-comunidade e comunidade-comunidade é forma de parceria que envolve o planejamento e a participação coletiva do uso dos recursos hídricos e que rejeita a concepção, segundo a qual, o alvo do empreendimento é o lucro.
Segurança Hídrica
O que fazer quando São Paulo, a maior capital brasileira e várias outras cidades não tiverem mais água para distribuir entre os seus habitantes? O modelo adotado pela Sabesp, cujo lucro reverbera a imprevisível bolsa de valores de Nova York, atende a quem? Ao habitante comum, visto a qualidade e a escassez da água fornecida pela empresa, não tem sido. É admissível que o provedor de água crie uma pirâmide de usuários na qual destaca as maiores empresas consumidoras para hierarquizar e comercializar privilégios em relação ao acesso à água? E que guarde a sete chavesesses dados, à revelia da lei da transparência? Na hipótese de haver vultosos investimentos federais para se tentar evitar o pior, esses recursos atingirão positivamente os serviços dispensados ao pequeno usuário? Em um momento de ameaça à vida de seus habitantes, por todos os riscos que a ausência ou escassez de água de boa qualidade para o consumo humano provoca, devemos insistir na defesa cega desse modelo de negócio privado que por sua essência visa o lucro?
Ou devemos olhar com muito cuidado e aprender com o processo de remunicipalização da água em curso em outras capitais? Com segurança hídrica não se brinca pois a vida de todos não pode ser um jogo e alvo de especulação.
Referências Bibliográficas:
* Martin Pigeon, David A McDonald, Oliver Hoedeman, Satoko Kishimoto Remunicipalization Putting Water Back into Public Hands.
Transnational Institute, Amsterdam, March 2012
* Karen Piper The price of thirst University of Minesota Press, 2014
* http://outraspalavras.net/brasil/agua-as-mineradoras-tem-muita-sede/
* http://apublica.org/2015/01/sabesp-se-nega-a-publicar-contratos-de-empresas-que-mais-consomem-agua/

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Sobre a água (ou a falta dela)

É assustador as notícias que povoam os telejornais nos dias de hoje. Quase todas as reservas no Brasil estão abaixo de sua capacidade e as previsões não são nada otimistas, já que não vai chover o suficiente para encher os reservatórios.

Mas a previsão já era alarmante há anos atrás. Há trinta anos já se previa a morte dos afluentes que desembocavam, por exemplo, no Rio São Francisco. Já falávamos da contaminação de solos pelos produtos químicos utilizados, principalmente, no agronegócio e nas sementes trazidas para cá por multinacionais. Já prevíamos o aquecimento global, o processo de desertificação da caatinga e do cerrado e agora isso é uma realidade.

Mas nada segura a fome de lucro das grandes indústrias e do agronegócio. Buscamos os culpados e aí estão. Aos defensores do sistema capitalista a resposta é: não é possível casar sustentabilidade e lucro...

Na mídia, os governantes, representantes da burguesia industrial e agrária, empurram os culpados e, quando chegam a um acordo, culpam São Pedro (!!). A intervenção humana não tem nada a ver, segundo esses senhores e essas senhoras. A sanha por dinheiro também não...

O futuro aparenta ser catastrófico e não é um futuro distante... No jornal A Tarde de hoje, 26/01/2015, uma matéria anuncia que a falta de água afeta cerca de 46 milhões de pessoas no país, atingindo principalmente o Nordeste. Nem a Bacia Hidrográfico do rio São Francisco escapa. A preocupação do especialista, professor Tundisi, da UFSCar é, exatamente, o impacto na indústria e no agronegócio quando na verdade estes são os grandes contribuintes para a situação que chegamos.

Infelizmente, o projeto do capitalismo voraz venceu. Enquanto latifúndios e donos de multinacionais (industrial e financeiro) pouco estão se importando com o que virá, seguros que o dinheiro que possuem lhes garantirão uma sobrevida, nós, os subalternizados, trabalhadores e trabalhadoras, dançamos conforme a música, buscamos cada vez mais ter e pouco refletimos sobre essas questões. Afinal de contas, no mundo do ter, pouco importa o outro... Essa divisão nos trouxe à barbárie que se instaurou, onde as relações se constroem de forma frágil e superficial. Em breve nos queixaremos da violência por não ter o comer e beber...

Parece um futuro de um filme de ficção científica da década de 1980 ou 1990, mas é o século XXI.


Essas reflexões vieram, em especial, a partir da leitura dos seguintes textos:

Carta ao século 19: chega de banho todo dia

“O Cerrado está extinto e isso leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água”

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Seria Grampinho esse prefeito todo?

É curioso a aprovação de 61% da população do prefeito ACM Neto (DEM) como o melhor gestor das oito maiores capitais do país. Pior, pela segunda vez seguida. Retornei há pouco tempo para Salvador e, apesar das melhorias pontuais, principalmente no asfaltamento da cidade, não vi uma melhoria efetiva sequer dos serviços públicos.

Precisei ir na emergência da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Largo de Roma no início do mês de dezembro. Lá chegando, fui informado que havia apenas um médico para toda a UPA e que não estavam atendendo emergência. Encaminharam para o 5.º Centro e para a UPA da San Martin, mas informaram que na San Martin havia apenas ortopedista e pediatra. Já a UPA próxima ao Hospital Roberto Santos, Cabula, com novíssimas instalações, falta médico clínico para atendimento de emergência de casos como derrame.

A coleta de lixo custa à cidade uma fortuna, mas parece não funcionar. Talvez para os turistas que andem em alguns locais privilegiados, como a Barra (bairro querido de Grampinho) ou que morem em bairros não-periféricos a coleta esteja ocorrendo de forma eficiente, mas não me parece ser o que ocorre na maior parte da cidade. Na Cidade Baixa, a coleta costuma demorar de 3 a 6 dias para ser realizada, mesmo a Revitta, empresa responsável, tendo avisado na rua em que resido que a coleta seria de segunda a sábado às 07:30. Em primeiro lugar ela não acontece nos dias indicados, em segundo, NUNCA foi coletado no horário indicado. A cidade está um criadouro de moscas, rememorando os tempos coloniais em que o lixo era deixado nas ruas e Salvador tinha a fama de ser mal cheirosa (em que pese as cidades europeias não serem muito diferente, na época).

Acho que não precisava muito que se fosse considerado melhor do que o antigo prefeito, João Henrique, principalmente em seu último mandato, já que no primeiro o banho de asfalto e maquiagem da cidade foi feito, receita copiada por Neto. Mas, daí a cegueira do que significa o governo do DEM?

Além da higienização social e étnica, que se iniciou desde o início do mandato do filhote de ditador, com a retirada forçada de moradores de rua, não apenas como uma política para o período da Copa, mas como uma política constante de tal gestão, além da retirada de comunidades que "enfeiem" os bairros nobres, ainda há a política de arrecadação desenfreada a partir de multas e impostos.

Não estou questionando que a prefeitura deva organizar o trânsito ou a arrecadação de impostos como o IPTU, mas se passarmos um pente fino veremos que muitos dos maiores devedores do IPTU estão nos bairros nobres ou são as grandes empresas, mas os benefícios, curiosamente, vêm exatamente para esses setores da sociedade soteropolitana. Mas a perseguição aos devedores, muito sem condições de pagar os altos valores e suas correções, podem ter, inclusive, seus imóveis leiloados. Curiosamente, Salvador é a cidade da região Nordeste com maior déficit habitacional, segundo pesquisa feita pela Fundação João Pinheiro referente ao ano de 2013, ou seja, em uma cidade com tantas áreas abandonadas, como a região do Comércio, os prédios abandonados não servem para a realização de uma reforma urbana, mas apelar para tomar imóveis de cidadãos pode.

Ainda em relação à arrecadação da atual gestão, não há um condutor que não avalie como abusiva a postura da prefeitura. E se de um lado temos uma coleta de lixo precária, por outro, desde dezembro de 2014, a pessoa que jogar lixo em local indevido na cidade de Salvador terá que pagar multa. Isso em uma cidade em que você percorre longas distâncias e não encontra uma lixeira ou em que a coleta de lixo, como dito anteriormente, acontece de forma irregular.

O transporte público continua ruim e ineficiente, ainda assim a prefeitura renovou o contrato de concessão do serviço público por mais 25 anos para os mesmos grupos de empresários e ainda empurrou um aumento para R$ 3,00 no valor da tarifa. Mais uma vez a prefeitura ataca o trabalhador da cidade, completando a ação que retirou diversas linhas de ônibus que saiam dos bairros periféricos e que passavam pela Barra. Quanto ao aumento, ainda haverá luta. Para amanhã, 23/01/2015, está marcado um ato contra o aumento, com concentração marcada a partir das 14h., no Campo Grande.

Enfim... Essas são as questões que mais têm me tocado e mais me incomodado sobre a avaliação do cidadão soteropolitano sobre a atual gestão. Pode ser comodismo, pode estar embasada na gestão anterior que mais que sucateou a cidade ao extremo. Mas nada justifica o grande índice de aprovação, a não ser (os pós-modernos, multiculturalistas e relativistas que me desculpem) um processo de alienação e despolitização dos moradores de Soterópolis.



Pílulas Diárias

A “austeridadezinha” da ortodoxia petista


Por Sérgio Domingues
Dilma “capitulou diante das pressões do mercado, assim como os líderes europeus e uma parte do PT”. Esta afirmação é do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista publicada no Valor, em 16/01. Palavras insuspeitas, pois partem de um dos mais de 1.300 economistas que assinaram um manifesto em favor da reeleição da petista.

Belluzzo refere-se especificamente à nova equipe econômica do governo reeleito e aos ajustes por ela anunciados. Para ele:


Essa ideia de que vai se fazer dois anos de ajuste parece que não tem dado certo no mundo. Vamos fazer uma 'austeridadezinha', e aí a gente sai dela em dois ou três anos. Mas ninguém menciona o fato de que enquanto dura uma recessão vai se devastando a vida das pessoas.

Antes de Beluzzo, a Fundação Perseu Abramo já havia divulgado um documento afirmando que Dilma adotou uma estratégia “bastante conservadora e ortodoxa na política econômica”. Para quem não sabe, a fundação pertence ao PT.

Mas houve quem aprovasse. É o caso de Edmar Bacha, ex-integrante do governo Fernando Henrique e um dos criadores do Plano Real. Em entrevista ao Valor, publicada em 14/01, o teórico tucano ultraneoliberal elogiou a nomeação de Joaquim Levy e as primeiras medidas anunciadas por ele.

Mas, para Bacha, Dilma não tem a credibilidade dos tucanos para ir adiante. De qualquer modo, vontade de mostrar esse tipo de serviço não falta aos petistas que comandam o País.

E nesse mesquinho campeonato de ortodoxia neoliberal, Beluzzo é quem tem razão. Vai sobrar para a maioria pobre e explorada, seriamente ameaçada por mais uma onda de devastação econômica e social. 

De: http://pilulas-diarias.blogspot.com.br/2015/01/a-austeridadezinha-da-ortodoxia-petista.html

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Primeiras palavras

Em tempos de redes sociais, não tem havido muito espaço para considerações mais concretas, registros de reflexões mais aprofundadas sobre o mundo que nos rodeia. Este blog tem o intuito de suprir essa lacuna de maneira individual, mas compartilhada à tod@s que, porventura, venham a acessá-lo. Aqui estarei aberto ao diálogo franco e aberto, mas não depreciativo ou baseado em ataques. A gestão do mesmo se dará baseado na finalidade que dou ao mesmo. Sejam bem vind@s!